Sandra Toledano é uma coach e Gestalt-terapeuta que trabalha há 10 anos para aumentar a visibilidade e a normalização do coletivo LGTBIQ na esfera profissional. Anteriormente, trabalhou no sector financeiro e em escritórios de advogados, até que se apercebeu da importância de sensibilizar as empresas para que fossem locais seguros e ambientes livres de discriminação com base na identidade sexual. Hoje, junta-se a nós nesta entrevista para nos ajudar a conhecer melhor a realidade das pessoas LGTBIQ no local de trabalho e a importância de desenvolver políticas de inclusão ativa.

P. Qual é a importância de falar sobre a nossa vida privada no trabalho ou, por outras palavras, como é que isso afecta o facto de termos de esconder a nossa orientação sexual nas nossas conversas no ambiente de trabalho?

R. Quando temos de esconder algo que gostaríamos de poder contar ou estamos sempre alerta para que não nos escape, isso afecta-nos muito psicológica e emocionalmente, no desenvolvimento da nossa atividade no ambiente de trabalho e na nossa autoestima. Cria uma espécie de lei do silêncio que nos leva a renunciar a muitos privilégios.

Evitar ser eu próprio afecta o meu desenvolvimento profissional. Não significa que serei um pior profissional, mas significa que não criaremos as mesmas relações de confiança, nem nos sentiremos igualmente livres ou à vontade para que todo o nosso potencial possa emergir.

Casamo-nos mas não o dizemos, temos um filho e escondemo-lo... Isso tem grandes consequências. Não podemos gozar as férias a que temos direito, nem a licença de paternidade ou de maternidade. Não vamos a eventos empresariais porque não podemos levar o nosso parceiro e isso leva-nos ao isolamento. Sabe-se que até 15% das pessoas deste grupo não vão a eventos empresariais.

Implica muita renúncia. Sei de casos em que até os seus parceiros morreram e eles não o disseram. Não podem tirar esses dias de férias, não podem mostrar a sua dor se estiverem deprimidos. Obviamente que isso afecta o desempenho e se o ambiente de trabalho não conhece as causas, então a empatia necessária também não pode ser desenvolvida.

P. Como podem as políticas e actividades da empresa ajudar a normalizar esta realidade? 

R. Penso que todos nós já passámos por situações de trabalho em que não nos sentimos à vontade. Sabemos o que é entrar de má vontade, para ver como vai ser o dia. Quando não se quer sair do guarda-roupa, fica-se em alerta o dia todo. No final, isso gera uma auto-censura total e a sua concentração está mais lá do que em qualquer outra coisa.

Ter políticas que me fazem sentir num ambiente de confiança permite-me estar descontraído, ser eu próprio. Isto significa que serei melhor no trabalho, tudo fluirá melhor, serei mais criativo, mais motivado, mais produtivo. Estarei mais motivado e mais concentrado. Estas políticas dizem-me que faço parte de tudo, que estou incluído e que a minha forma de ser não é rejeitada.

Em última análise, o local onde passamos a maior parte do tempo das nossas vidas é o local de trabalho. Há estudos que dizem que mais de 60% das pessoas que saíram do armário não se assumem nos seus empregos. Foi aí que eu vi uma necessidade clara.

P. Em que fase de maturidade nos encontramos enquanto sociedade no que diz respeito à diversidade sexual, estamos em retrocesso ou estamos a tornar-nos mais tolerantes?

R. Se a sociedade fosse uma pessoa, já não estaríamos na infância, teríamos evoluído e estaríamos na maturidade. No entanto, a sensação que tenho é que, atualmente, a sociedade está mais polarizada do que nunca. 

Há aqueles que apoiam o coletivo de uma forma muito consciente, aliados que conhecem bem a realidade, e aqueles que são muito radicais contra ele e não têm qualquer pejo em ser intolerantes. Isto tem a ver com o facto de a nossa sociedade em geral estar muito polarizada e de haver vozes que discriminam abertamente. As pessoas que não partilham valores de tolerância em relação à diversidade estão a ser autorizadas a falar e a envolver-se em discursos de ódio radicais. Isto não acontece apenas com adultos, também o vejo nas escolas.

Se olharmos para as empresas, há também as que têm uma política séria de inclusão do coletivo e as que cumprem de forma mais estética em datas especiais como o Orgulho, agora em junho. O famoso PinkWashing ainda existe.

P. Continuamos a ser discriminados no local de trabalho devido à nossa identidade sexual?

R. A discriminação que ocorre é muito silenciosa. A discriminação pode ocorrer a vários níveis de intensidade, desde uma atitude menos camarada e de menor inclusão na equipa, até ser penalizado numa promoção ou mesmo ser despedido. Mas há muitas coisas que acontecem pelo meio, e estas são normalmente as mais comuns.

P. Que grupo é/são mais afetado(s)?

R. As pessoas transexuais são as que mais sofrem, cerca de 75% deste grupo vê-se em situações de discriminação quando se trata de passar num processo de seleção e conseguir um emprego, mesmo que sejam altamente qualificadas. Em vez de se basearem no currículo, que foi o que os levou à entrevista, quando se trata de escolher a pessoa para ocupar o lugar, começam a dar prioridade a questões extra-profissionais que constituem uma grande barreira. 

Além disso, acontece o seguinte: podemos esconder a nossa orientação sexual, mas se estivermos a fazer uma transição de género, ela é fisicamente visível. A decisão é tomada para evitar o conflito que isto pode implicar, em vez de sensibilizar o pessoal para naturalizar esta realidade. As equipas de RH pensam que pode ser um problema e preferem não complicar a situação. Neste sentido, a maior discriminação é, sem dúvida, contra as mulheres trans, ainda mais do que nas transições no sentido oposto.

Quando falo com homens trans, eles dizem-me como estão surpreendidos por terem percebido na sua própria carne como o género é vivido na sociedade. Como eram tratados como mulheres com o género que lhes foi atribuído à nascença e como são tratados agora que o seu género percebido está de acordo com a sua aparência física, como homens. Dizem-me: "É muito curioso Sandra, estou sempre a reparar nisso, na forma como os meus colegas me tratam, quando falo, quando tomo decisões, nunca pensei que houvesse uma diferença tão grande".

P. No +Diversidade temos uma ação a que chamamos o Orgulho de Abanderar, que se baseia na produção de entrevistas com pessoas do coletivo que funcionam como referências para a normalização da realidade do coletivo. Qual é a importância deste tipo de iniciativas para si? Quando algumas pessoas decidem sair do armário, podem servir de inspiração para outras?

R. Os embaixadores desempenham um papel essencial. Um modelo que mostra abertamente a sua identidade e conta um processo semelhante ao seu está a dizer-lhe que tem permissão, que não será sancionado se decidir dar o passo e sair do armário.

A situação ideal é quando nos encontramos com modelos ou embaixadores que estão em posições de responsabilidade. E quando falo de embaixadores, não me refiro apenas a pessoas do coletivo. Já fui a empresas dar uma palestra e, no dia anterior, o CEO, que não é membro do coletivo, enviou um e-mail a pedir para estar presente e a sublinhar que isto é importante para a empresa. Isso envia uma mensagem muito importante, está a dizer que estes são os valores da empresa, "nós apoiamos isto aqui".

P. Porque é que algumas pessoas ainda se sentem tão desconfortáveis com a visibilidade LGTBIQ? O que é que nos faz sentir atacados por alguém que não se enquadra no nosso quadro moral?

R. Há a pessoa que o rejeita, desde o primeiro minuto. E depois há a pessoa que diz que sim, eles têm de ter os mesmos direitos... mas depois, quando isso lhes toca de perto, surgem todos os problemas.

Tem a ver com preconceitos inconscientes. Já foi provado que os seres humanos se sentem muito confortáveis quando estão com tudo o que é semelhante a eles. Quando me reúno com pessoas que têm os mesmos valores que eu, que têm a mesma cor de pele, a mesma forma de pensar, que cresceram como eu e até no mesmo sítio que eu... há algo que nos tranquiliza. Falamos a mesma língua, entendemo-nos uns aos outros.

Tudo o que sai dela, que é diferente, põe-nos em alerta. É algo inconsciente que nos acontece. Ficamos na defensiva. Enquanto não me toca, não dou por isso, mas quando me toca de perto, fico alerta.

P. Ainda mais quando se trata de uma experiência direta, sentimos que estão a atacar a nossa identidade... é uma ofensa, não é?

R. É do género "não me ponham aqui". "Não sou uma destas pessoas". Mas às vezes vemos isso no local de trabalho, quando o colega se senta ao nosso lado e, com total normalidade, nos diz que é gay, lésbica, bissexual ou trans. E essa pessoa está a ser tocada por tudo... é aí que eu não me aproximo dela, não me relaciono com ela, ela não me identifica com ela.

Temos de olhar para as necessidades que existem. Porque os membros individuais do coletivo podem ter necessidades, mas também é legítimo que os seus colegas possam ter coisas a acontecer-lhes. Não se trata de os castigar porque não se sentem confortáveis, acho que esse é o maior erro que existe. O que temos de fazer é estar presentes, tentar realizar as reuniões necessárias, as formações necessárias. Tudo o que é necessário para que todos se sintam à vontade. Não basta dizer "oh, sentes-te desconfortável porque está lá uma pessoa do coletivo, és uma má pessoa". Isso não ajuda. Há aqui uma necessidade mútua. É necessário dar apoio, continuidade e acompanhamento a todas as pessoas que fazem parte da empresa.

P. Qual seria o horizonte a que aspiramos em termos de tolerância em relação à diversidade sexual? Onde estamos? Quais seriam as relações em que poderíamos efetivamente dizer que aqui temos um ambiente em que já não discriminamos?

R. A minha carta aos reis em relação às empresas é que estas devem dar prioridade a esta questão e fazer o seu melhor para criar ambientes seguros. Até já me perguntaram: "ei, ligaram-me para esta empresa, sabe se é inclusiva". Que isto não tem de acontecer. Que as pessoas possam ir para os seus empregos e que a sua orientação ou identidade não seja vista como algo a ter em conta. Que seja vivida como algo natural. Isso seria perfeito.

Não é uma questão de os 500 trabalhadores aceitarem a minha orientação sexual. É uma questão de respeito. E que a empresa envie uma mensagem muito importante: aqui há respeito. A empresa é um sistema, como uma família. Quando o pai diz "não vou permitir isto", os filhos sabem como se devem comportar se não quiserem ser castigados. Por isso, é claro para mim que tipo de empresa é esta, quer eu seja membro do coletivo ou não. No fim de contas, trata-se de criar espaços seguros e inclusivos.